Acorda

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Ei, moço! Levanta daí! Vai lá, corre no mercadinho, compra uns picolés pra vocês dois. Pega umas flores no caminho, diferentes mesmo, não precisa combinar muito. Você sabe que ela gosta de variedades. Você sabe que ela gosta de uma infinidade de cores e formas. Leva pra ela.

Ei, moço! Arranca uma folha daquela caderneta que vive jogada na tua sala e escreve um bilhetinho pra ela. Ela gosta de cartas, você sabe disso também, mas não tem problema se não souber o que escrever. Desenha só um coração com as iniciais de vocês. Esconde no estojo dela. No porta-óculos, talvez. Mas faz. Ela precisa aprender a sorrir de novo.

Ei, moço, não deixa ela dormir até tão tarde. Não deixa ela passar tanto tempo sozinha. Enche ela de beijinhos ainda que ela pareça distante, irritada e inerte. Acredita em mim, no fundo ela só está perdida. Empurra ela pra debaixo do chuveiro. Fica lá com ela. Ajuda ela a se arrumar. Diz que ela tá linda. Puxa ela pra fora de casa, pra ver o sol, tomar um ar, pra ver que a vida é mais do que o quarto pequeno e o apunhalado de remédios nos quais ela tenta desesperadamente esconder a dor. Leva ela pro sol. Leva, com todo amor e paciência que há em você, sabemos que ela precisa e que ela não vai sozinha.

Ei, moço! Não briga assim com ela. Não diz que precisa fazer coisas mais importantes. Não trate como se fosse só uma dor de cabeça, não é. Você e eu sabemos que não é. Não pensa primeiro no amanhã. Olha pro seu lado, agora. Pra ela. Não dá as costas desse jeito, moço. Não faz ela se ver como um peso, não deixa ela acreditar que não merece ser amada. Olha pros olhos dela. Repara que a voz dela mal sai. Repara em quantas oitavas cada palavra que ela diz cai ao longo das frases. Não deixa ela sozinha, moço. Ela precisa do seu colo agora, ela precisa que o seu "pra sempre" seja validado agora.

Ei, moço, desperta. Desperta. Rápido, não temos tempo a perder. Nosso inimigo não cochila. A angústia que esmaga a garganta dela ainda está lá quando nós estamos fazendo outras coisas. Segura a mão dela, forte, não a deixe afundar. Acho que ela não consegue ver, mas você costumava dizer que as pessoas precisam dela. Salve-a.

Ei, moço, corre pra aquele banheiro. Tira aqueles comprimidos da boca dela. Vai. Ela tá no limite. Corre. Você não viu, não foi? Ela disse, ela contou pros amigos, ela escreveu cartas de adeus. Ela pediu ajuda. Ela disse que não dava conta. Ela disse, moço. Mais rápido. Ela tá sem pulso, a pele dela tá ficando fria. Não deixa! Você sempre foi o herói dela. Você sempre cuidou dos machucados dela. Vai lá, cuida daquele coração dilacerado.

Ei, moço! Abre esses teus olhos, abre de uma vez. Você passa tempo demais com os olhos fechados. Abre porque ela sente falta da cor deles. Do brilho deles. E ela sente tanta falta que isso a faz chorar. Ela sente tanta falta dos teus olhos que já pensa em fechar os próprios olhos...
e nunca mais abrir.

Pássaro azul

domingo, 9 de setembro de 2018

Aonde você está agora?
Só deus sabe.
"Deus". Se é que existe algum deus.
Nesse momento, pra ser sincera, chego a acreditar que não.
Porque incessantemente eu grito por um deus, por respostas, por perdão, por um sinal, por você, por qualquer coisa que não seja o vazio
E tudo o que me cerca é o vazio
É a tortura do silêncio
Da ausência de respostas
Da ausência de você.
Ainda assim, o mais profundo da minha alma insiste em continuar baixinho fazendo várias preces, com um resquício estúpido de fé quase invisível.

Eu sei que é tarde, em todos os sentidos
E eu sei que poderíamos estar comemorando nossas conquistas futuras
Mas sou torta, quebrada, confusa, errada, incompleta e triste.
Sim, triste.
Eu faço piada com tanta coisa
Minha risada é exagerada
Meu peito porém, exala angústia
Meus gritos de desconforto com o não-saber-quem-sou são abafados com risos. Com teorias aleatórias e insanas. Com uma sede desmedida de carinho.

É que vez por outra
o meu pássaro azul sai de dentro do peito e me fode pra caralho
O meu pássaro azul destrói os meus planos, as minhas vontades, os meus amores
e embora pareça pequeno,
devora cada fatia imensa da minha vida.
Eu tento, eu juro que tento, mas nem sempre as lagrimas me obedecem e se mantêm pro lado de dentro.
Eu tento, mas nem sempre as emoções se aquietam no peito
as vezes elas tomam todo o meu corpo, agem por mim e depois me deixam jogada desejando acabar com a carcaça do que sou
E cá estou

Como nasci
Como provavelmente morrerei
E como acredito que seja a minha condição mais adequada.

Eu não sei amar
Eu nunca soube
Nada, ninguém
Eu dou até a ultima gota de mim
Eu deposito mais do que deveria, eu espero a mesma intensidade.
E que pretensão a minha!
Cada um sente como pode.
Mas é que eu não sei amar, entende?
Eu vou gritar e te mandar embora e chorar se você for, e te quebrar se você voltar e tentar morrer se você for de novo
Porque eu nunca quero de fato que você vá
Eu não quero que ninguém vá
Você sabe, só você sabe
Que eu vou embora antes do abandono por jurar que isso vai tornar tudo mais suportável
E mais uma vez, estou errada
Porque eu te mandei embora
E não há nada que eu queira mais agora além de que subitamente meu coração pare de bater.

Ps: eu sei que machuquei você, quando tudo que eu queria machucar a mim. E talvez tenha sido a única forma real de me punir. Te ver sangrar doeu mais do que se eu tivesse rasgado todo o meu corpo.
"Somos um", dizíamos. Estamos quebrados, sangrando e perdidos.

E apesar de tudo, estou só
No meu próprio castigo. No limbo. Na tortura do silencio inquietante.
Se ainda puder sentir a minha existência, vem. Rápido
Não temos muito tempo.