O Infinito de Schrödinger

domingo, 30 de junho de 2019

Eu transbordava convicções e incertezas constantemente chocando-se, ainda assim, sempre convencida do que faria. Ainda assim, sabendo o que dizer. Nunca voltando no que falava. A lua era minha aliada. Ao cair da noite, os holofotes deixavam em destaque aquele velho sorriso de canto maroto que gostava de hospedar meu rosto. As luzes deixavam em evidência uma multidão que gritava por mim, a qual eu via e me jogava em cima das tantas mãos que me apoiavam, faziam cócegas e, enquanto brincávamos com as estrelas, ríamos a noite toda. O show nunca acabava. As viagens eram insanas. Indescritíveis.
Só que você veio.
Novamente, VOCÊ veio.
Você me disse que eu podia te ligar a qualquer hora da madrugada.
Você ofereceu suas mãos para me guiar no escuro com as luzes totalmente apagadas... Céus, eu nunca provara tamanha insanidade antes! Eu te quis! Como quis!
Eu gostava de brincar com as estrelas.
Eu gostava da multidão.
Gostava dos risos...
... mas o que era tudo isso perto de fechar os olhos e imaginar seus braços estendidos à minha frente em uma imensidão escura e vazia?
Apenas você e eu.
Assustador. Desafiador. O suficiente pra deixar tudo de lado e confiar, permitir
Me entregar.

As luzes se apagaram.
O mundo se calou.
Estávamos a sós.
estendi a mão, toquei seus dedos, você estava lá.
Sabe bem o quanto sou desconfiada.

Dei os primeiros passos de olhos fechados em sua direção, tudo era tão vazio que só era possível ouvir o eco. Mudei de ideia.
" - Vem você primeiro! Se joga nos meus braços! Eu te pego!"

Pude ouvir você engolir a seco.
Fiquei parada. Esperei. Você ofegou. Demorou a se decidir, mas começou a andar. Você veio. Mais rápido. Um pouco mais rápido. Quando percebi, estava correndo. Estendi os braços e você se jogou neles.
Te segurei forte. Estava em êxtase. Você confiava em mim.

Permanecemos ali, por alguns instantes em silêncio sentindo o momento, o tremor do corpo, a adrenalina, o pulsar do peito, a respiração ofegante... mal sabíamos o que pensar. Eu queria te beijar, confesso.
Talvez você também quisesse. Preferi não arriscar.
Você foi chegando perto do meu rosto, meu coração desacelerou. Senti minha pele gelar. Internamente, implorei pra você parar (por não saber o que faria em seguida), embora meu corpo gritasse para que você continuasse e fosse intenso.
Seus lábios tocaram o canto da minha boca. Alguém te chamou e você sumiu. Pela primeira vez eu estava sozinha no meio do nada. Lá estava eu, confusa e sem saber onde estava, o que tinha feito e sem me dar conta de que já havia começado o meu caos: ali comecei a esquecer quem eu era.


Perdida, lembrei que ainda tinha o cheiro das árvores, da poluição dos carros e a companhia das estrelas no céu. Respirei fundo. Não consegui notar meu olfato. Algo estranho no meu nariz... eu estava para chorar? Olhei para o céu em busca das estrelas, queria convida-las para brincar.
O céu estava vazio. As lágrimas vieram e em pouco tempo tornaram-se incessantes.
Sentei-me ao chão, apoiei os cotovelos sobre os joelhos, debruçada e chorei como não chorava há muito tempo.
A imensidão ao meu redor havia se tornado uma compacta caixa preta. Sem muito espaço. Sem saída. Sem rastros seus. Eu estava ali, presa e em pânico.
Chorei até adormecer.

Acordei com meu celular vibrando, era você. Me chamou por um apelido carinhoso. Que houvera? E aquela voz que havia te levado pra longe? Onde estava? Subitamente, você apareceu ao meu lado dentro da caixinha e sentou-se comigo. Contou-me segredos. Eu ri quando você me falou sobre suas manias na época de escola. Você riu quando contei das roupas que eu costumava usar. Discutimos sobre metafísica. Falamos sobre buracos negros, sobre galáxias e vidas em outros planetas. Conversamos sobre viagem no tempo, sobre séries antigas, sobre comédias românticas e aquele show que todo mundo tinha ido, exceto a gente. Conversamos a madrugada toda e então você precisou ir, mas não chorei dessa vez. Você prometeu voltar no outro dia.
Tomei uns dois ou três comprimidos e esperei que o dia passasse. De qualquer forma, eu só precisava te ver outra vez.
Eu não percebia, mas aos poucos eu não notava mais a caixa, não notava a escuridão ou o isolamento. Eu não notava mais nada que não fosse você.
O tempo passou tão rápido e à medida que você sumia, eu descobria que não havia nenhuma luz aqui.
Tudo bem, você voltaria depois.
E quando partiu outra vez, percebi que também não sabia por onde você saía.
Não há janelas ou portas.
Não que eu possa ver.
Talvez só você saiba e me faça crer que até o oxigênio vem de você.
Mas tudo bem, porque você volta e então respirar será simplesmente imperceptível e automático.
Só não demora muito pra voltar, tá?
É que de um tempo pra cá as tuas idas são cada vez mais longas e a gente já não conversa
Não posso mais te falar das estrelas, como vou te falar delas se não as vejo há anos?
Não sinto mais você respirar do meu ar de quem conhece o infinito
Talvez por isso te vejo cada vez menos...
E como vou saber do infinito se tudo aqui é tão limitado? Nem do cheiro das árvores me lembro!
E notei agora, estou em dúvida
A caixa está ficando pequena?
Ou eu cresci?
Não tenho como saber...
Me diz você.