Maestros do fim do mundo

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Ontem quando acordei de um cochilo, esperei alguns minutos pra ver onde estava, se era dia ou noite, se eu tinha acordado de fato ou se era apenas um sonho lúcido. Quando notei que estava aqui, viva, lamentei. Não queria ter lamentado, não queria falar sobre essa parte de mim que carrego amassada no bolso do casaco tentando deixar impercetível, não queria demonstrar ingratidão, não queria ter sentido aquilo, mas lamentei. "Outro dia", pensei.
Ontem me olhei no espelho e enquanto permanecia em silencio, mentalmente amaldiçoava minha existência. Desprezei tudo o que vi de mim com palavras cruéis, as quais jamais teria coragem de dizer a alguém. Me odiei, outra vez.

Comecei algo novo, me empolguei e quando me dei conta, já não fazia diferença.
Nada faz diferença. No fim eu sou sempre a mesma.
Ainda não dormi. Quase oito horas da manhã e eu ainda não dormi.

...
Só que eu sei que vou conquistar o mundo inteiro antes de sair da cama
Mas ao levantar, ele ainda será opaco.
Ao despertar, o mundo ainda será alheio.
Alheio, como tudo.
Alheio como eu.
Como as vísceras da minha alma
Todo dia é como ontem.
Ciclo que será quebrado com um inédito espetáculo.
As luzes se apagam.
A platéia cochila dispersa
E quando menos esperam
A décima quarta sinfonia de Beethoven invade o salão
Notas oscilantes
Respiração ofegante
Acordes quebrados
cacos de vidro voam e cortam
Rostos
Braços
Artérias. Artérias!
Todos fazem cara de horror ao ver tal cena
Que bela encenação! Há sangue.
Tão real
Há sangue nas mãos de cada um deles
Uns gritam, outros desmaiam de pavor
Outros choram baixo como se quisessem esconder o choro
O público está em êxtase.
Uma combinação simultânea de seis notas graves é sustentada por uma fermata.
Todos estão estáticos.
Os sons mudam
Luzes e som de sirene.
Que tumulto!
Que show.
Uma tampa de madeira se fecha sobre um corpo frio
As flores são lançadas em meio a lágrimas.
Quanta ironia.
Silêncio
A música acabou.
A terra cobre as flores, cobre a tampa que cobre um corpo que cobria tudo que ousava sentir
Corpo agora vazio.
As cortinas fecham.
Aplaudam.
APLAUDAM!
Mais alto. Não consigo ouvir.
Estou aqui, do outro lado
E sabe como é...
Aqui embaixo é bem difícil escutar qualquer coisa.