Vinho tinto

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Cheguei ao apartamento dela naquela noite de agosto. Ouvi, ainda do lado de fora, o som da música que ela escutava. Blues. Virei as chaves devagar, evitando fazer barulho. Entrei tirando os sapatos. Certamente estava embriagada, tivera um dia difícil e nessas ocasiões era bom nem tentar conversar. Ao levantar a cabeça, vi duas garrafas de vinho tinto sobre a mesa. Olhei para o sofá e vi o corpo dela, quase nu, iluminado apenas pela luz da rua que atravessava a janela, as luzes do apartamento estavam apagadas. Ela estava com os olhos fechados, parecia sentir as notas da música com toda intensidade que havia dentro de si. Tomei o que restava do vinho em uma das garrafas e sentei-me ao chão enquanto a observava. Seus lábios se moviam sem emitir nenhum som, seus dedos deslizavam sobre o próprio corpo no ritmo da música. Ela parecia ter saído de alguma tela. Era surreal. Senti que os lábios dela me chamavam quando sutilmente aproximei-me dela, toquei seus cabelos, seu rosto e então juntei meus lábios aos seus. Suas mãos encontraram as minhas. Senti que seu corpo sentia frio, então a escondi em minha pele. Sentia seu cheiro, seu beijo lento, seu toque certeiro. E sem nenhuma palavra, a amei até que o sol voltasse. Gravei-a em mim. Decorei cada parte de seu corpo. Aprendi a ler como se fosse partitura, já sabia a forma correta de tocar. Apreciei-a com toda dignidade da composição perfeita que ela é. Ela ficou, eu parti. E de todas as canções, ela ainda é a minha favorita.