[TW: Dependência química.]
Faziam alguns dias desde que Helena havia saído daquela
situação que demonstrava meu fracasso. No entanto, no dia que ela despertou me
agradeceu, choramos juntas abraçadas. Tudo isso, dentro da minha cabeça gerava
um parafuso absurdo, claro, não podia demonstrar na frente dela minha confusão
mental. Por isso me atinha aos meus clientes e, nesse exato momento, às tarefas
de casa. Enquanto eu terminava de limpar a louça do almoço ela estava fixa na
frente da televisão, mal piscava. Aquele silêncio dela me sufocava
profundamente e eu não via forma de romper aquela muralha que ela tentava
colocar entre a gente. Era como se ela estivesse sabotando nossa relação pra eu
largar ela à própria sorte. Ela não teria isso, não enquanto eu pudesse
respirar. Cozinha em ordem me sentei ao lado dela no sofá. Ela não moveu um
músculo. Em dois minutos entendi a dinâmica do programa sobre pessoas tentando
sobreviver na selva por conta própria. No intervalo não aguentei mais e rompi o
silêncio.
- Sabia que odeio te ver calada?
Ela não respondeu. Não se moveu. Parecia uma estátua de cera
deixada no lugar da Helena verdadeira. A única coisa que diferenciava ela de
uma réplica em tamanho natural era a respiração e eventuais piscadas. Depois de
dois minutos resolvi insistir.
- Sério, odeio te ver quieta assim.
- É? - Ela falou movendo apenas os músculos necessários para
tal ato, sem se virar - E o que quer que eu fale?
- Não sei - Eu realmente não sabia puxar assunto, por isso a
raposa era tão útil, embora devesse usar menos - Que tal sobre o que estamos
assistindo?
- Francamente, Janaína - Ela soltou um suspiro longo - Às
vezes você me cansa.
- Canso? - Eu senti que explodiria, minha pulsação acelerou,
meu sangue começou a borbulhar, mas respirei fundo, controle - Tomou seus remédios?
- Claro que tomei - Ela me olhou, os olhos dela tinham uma
fúria, uma raiva que eu não esperava vindos dela, pelo menos não na minha
direção - Ou acha o quê? Que quero ficar presa nessa merda de casa pra sempre?
Foi a explosão que eu não queria ter visto. Não agora. Eu
não estava total e emocionalmente recuperada dos últimos acontecimentos. Mesmo
com as lágrimas querendo me subir pela garganta eu sorri virando o olhar para a
tela, o intervalo acabou. Ela virou o olhar também, parecia interessada no
assunto do programa. Era como se Helena tivesse picos de estresse, pequenas
explosões e eu, como era a única pessoa que ela via todos os dias, era quem
tinha de ser do esquadrão antibombas inteiro. Não vi absolutamente nada do
programa. Via borrões e fragmentos de som às vezes rompiam meu pensamento
acelerado.
Helena estava do meu lado esquerdo. Meu maxilar inferior
tremia, a visão completamente turva e aquele gosto ferroso na boca. Por dentro
eu estava me dando tapas na cara. "Engole esse choro, Janaína, você não é
mais menina. Você precisa ser forte. Você foi forjada na dor pra ser
forte." decididamente a voz da raposa às vezes me trazia uma espécie de
lucidez tortuosa. A vinheta chamou para o intervalo seguinte já anunciando a
próxima atração, alguma coisa relativa com restauração de carros antigos.
- Que bom - A voz ameaçou sair embargada pelo choro, resolvi
deixar a raposa assumir um instante, depois recolocava ela na coleira - Me
preocupo com você.
- Se fosse verdade me deixaria ir.
- Não te deixo ir porque me preocupo.
- Sabe que isso é um paradoxo - Ela me olhou de canto de
olho, parecia pronta a desatar num riso - Não é mesmo?
- Claro que é - puxei a coleira da raposa de volta para sua
gaiola - por isso existimos.
- E por isso sobrevivemos.
- Por isso sobrevivemos...
Concordei com ela sendo brindada pela abertura do programa
seguinte enquanto Helena soltava um riso curto. Eu ainda precisava aprender a
lidar com essas mudanças repentinas de humor. Mas, como ela disse, sobreviveríamos.
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