Mefistófeles

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

É estranho escrever estas linhas. Sério. Eu já comecei esse tipo de carta tantas vezes que não posso me lembrar. Não sei nem se chego ao fim dessa, se a motivação que me colocou a pena à mão se manterá conforme redijo. Muito provavelmente a vontade e o desejo de partida sejam maiores do que a minha capacidade de me manter em pé.

Hoje provavelmente está sendo um dos piores do ano e por isso essa motivação. Não, não teve um grande acontecimento, algo que me fizesse querer desistir nessa altura. Nada demais, apenas a complexidade de tudo, a necessidade de manter tudo junto, de manter todas as marionetes presas aos dedos e de mante-las se movimentando. Explico: eu acredito que todas as coisas da vida são marionetes que controlamos. Na infância temos as marionetes de brincar e de estudar, depois vai aumentando a quantidade de fios, de marionetes... até tudo funcionar certinho muita gente se ferra. Entre elas eu.

Não vou fazer aquele discurso de "ah como o sistema é mau" e de como tudo que nos cerca nos poda e nos impede de sermos o que queremos/podemos/vamos ser. E não venham dizer que "ah, mas ninguém pode correr pelos teus sonhos, você tem que se virar". A vida é linda em postagens de rede social onde "casal 'larga tudo' e viaja o mundo". Se fosse tão simples todo mundo fazia. E esse "tudo" que eles tinham era o que? A casa dos pais? Pff. A vida real, de quem ganha o suficiente pra existir e manter meia dúzia de pequenos vícios (pequenos e baratos) não comporta esse tipo de fuga. 

Mas não é disso que essa carta trata. Ela trata de mim e do meu convívio constante com as minhas inquietas sombras. Se você, que está lendo, não conhece sugiro ler Fausto, do Goethe e Dom Casmurro, do Machado de Assis. Mefistófeles cada dia que passa vem com um discurso cada vez mais afiado e mais convincente. Não é uma carta suicida ou coisa que o valha, mas é uma carta que, caso aconteça algo, vocês já saberão o que aconteceu, o que me tirou a pena das mãos, o que me "libertou". E não venham com aquele papinho de "ah, mas suicidas vão pro inferno" porque eu não acredito nisso, não sou ateia (existe esse termo?), mas também não acredito nessa bobagem de céu e inferno. O "algo superior" que existir deve ser alguma forma alienígena com tecnologia/capacidades cognitivas superior à nossa. Ou isso ou as coisas do próprio universo como "tempo" ou "gravidade". Mas nada de deus sentado num trono de nuvens ditando as regras como uma criança mimada jogando the sims.

Enfim, como em tudo nos últimos tempos, me perdi e acabei falando coisas além do objetivo inicial da carta que era uma carta em tom de despedida. Não vou me matar (pelo menos não tão logo, ainda tenho algumas coisas penduradas que gostaria de resolver), mas vou passar a me isolar mais e mais até que não sobre muita coisa ou ligação com as pessoas. E se isso parecer um pedido de socorro abafado por uma doença sem cura. Touchê. Você entendeu o espirito da coisa. Quem quiser vir tentar me ajudar venha, mas venha disposto a ajudar de verdade, ajuda do tipo "fique bem, tão bonita e aí enfurnada num quarto" será rechaçada. No mais, até logo. Ou não.

Atenciosamente,
Helena.

2 comentários:

ઇ‍ઉ disse...

Morrer, viver, sobreviver.

Eu já vivi, já morri, e sobrevivi. Porém, não sei exatamente em que ordem, nem sei com propriedade dizer em qual das fases me encontro. Tenho estado perdida e sendo muito sincera, sem a menor vontade de ser encontrada. No entanto, acredito que (me) achei. Fiz uma careta ao ver seu parecer sobre céu e inferno. Mas não vou questionar, porque respeito a opinião de todos, ainda que vá na contra mão da minha. Acho que tenho uma dose bem aguçada de Helena, ja escrevi cartas de despedidas, pré testamentos, epitáfio. Sempre que o fiz, era certa de que estava no fim. O que era conflitante era, que tipo de fim?

Fim de vontade?
Fim de coragem?
Fim do poço?

Cheguei lá... Era frio, escuro, úmido. (Logo pra mim, que contraditoriamente amo o verão desprezando o dia.)

Martirio?
Punição?
Destino?!

Naquela cova funda, milhares de fantasmas me assombravam, até que me agarrei desesperadamente num fio de esperança. Ali, encolhida, assustada, sem discernimento algum ouvi um sussurro.

"Você é maior, mais forte do que imagina, mais importante do que acredita, mais corajosa do que se julga. Confie em mim!"

Uns disseram que meu inconciente estava lutando. Outros que, um dispositivo de defesa se acionou, e ouve também quem mencionou "delírio". O que posso afirmar com toda certeza é, ninguém além de mim mesma sabe o que ouve naquele buraco. E o que sei é que se existe inferno, não se precisa morrer pra conhece-lo. Assim como também não é preciso morrer para virar uma assombração.

Escalei minha cova e a luz não estava no fim do túnel não. Estava ali, a um esticar de mão. A nomeei FÉ. E esta me move, me rege, me acalma. Adormece a minha "Helena" e me permite sobreviver a vários assassinatos de mim mesma, arrastando cada novo renascimento como uma alma penada, me levando a encontrar esperanças em "rabiscos" como este, ou me permitindo reviver matando em "rabiscos meus" o que me pesa no peito.

Janaína disse...

Fosse tão fácil moça. Fé... Já tive esse tipo de apego, hoje tudo que resta é vazio e sem significado... será que tenho salvação? Sinceramente tomara que não.