Bodas de Prata

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Que dia é hoje? Alguém se lembra? "Quinta-feira", é o que ele diria e eu mais uma vez concordaria dizendo: "É... Quinta-feira." E guardaria o meu silencioso pesar.
Acordei essa manhã e vi que ao meu lado ainda adormecido, estava o homem com quem me casei há exatamente vinte e cinco anos atrás. Quando o conheci eu ainda era bem jovem e cobiçada. Tinha um bom emprego e dava os primeiros passos livre das correntes de minha infância e adolescência tão limitadas. Eu cresci sonhando apenas com liberdade. "Casar" nunca foi prioridade. Aí ele apareceu. Tentei desistir umas três ou quatro vezes, mas ele se atirava em frente ao meu carro, ameaçava suicídio e me tirava do trabalho, até que eu voltasse pra ele. Acreditei que ninguém me amaria como ele amava, então nos casamos em Novembro de 1987. Não posso mentir: quando casei, não o amava, mas tinha esperança de amar um dia. Três anos depois tivemos um casal de filhos gêmeos. Ele trabalhava 14 ou 15 horas por dia, as crianças choravam em tempo integral, foi questão de tempo até que eu estivesse submersa em uma depressão profunda. Ele perdeu o emprego na mesma época em que eu estava a ponto de tirar minha vida.

Chovia quando ele me encontrou prestes a engolir um punhado de chumbinho. Ouvia-se o som dos trovões e o choro dos bebês, como se não bastasse, lembro do rosto dele, empalidecido, me dizendo pra pensar nas crianças.
Ah, as crianças! Perdi as contas de quantas vezes encarei aqueles bercinhos implorando que eles crescessem logo e, que ao menos uma vez, pudessem cuidar de mim. Então me calei, acreditei que o tempo levaria aquela onda de desespero pra longe e finalmente as coisas ficariam mais calmas. Engano meu.

Logo ele voltou a trabalhar, os bebês foram crescendo, a vida seguia implacável. Eu ia a reuniões de escola, lavava roupas, preparava a comida, fazia curativos, dava remédios pra febre, apartava brigas, tudo sozinha. Não tinha mais "família", amigos ou passeios. Eu era mais uma dona de casa. De menina invisível a Cinderela. De Cinderela a robô. Não podia chorar na frente deles, quando as lágrimas apareciam, eu me trancava no banheiro, até que cansada de fugir, acabei deixando minhas emoções de lado. Sobrevivi, todo esse tempo, sobrevivi.

Vinte e cinco anos depois, o espelho me mostrava uma adolescente quase-morta, triste e com rugas. Acorrentada, mais uma vez. Meio sem rosto, meio sem identidade. Mais uma dona de casa, entre tantas outras. Logo eu, que apreciava tanto o ar da juventude! Nem parecia a mesma moça que há pouco mais de 25 anos atrás recebia vários convites pra jantar dos rapazes mais bonitos da cidade. Nem parecia a mesma garota que sonhava em ser bailarina e se apresentar para grandes plateias por todo o mundo. E nem me dou ao luxo de pensar como teria sido, talvez esses devaneios me tragam desgosto e arrependimento.

Mas e quanto àquele homem que acordou ao meu lado? Onde ele estava durante todos esses anos? Onde ele estava quando precisei me sentir humana? Quando as crianças gritavam a dor de um dentinho nascendo ou tinham febre alta, onde ele estava? Onde ele estava quando eu era consumida pela solidão dia após dia? Trabalhando, não é? Tudo bem, eu não posso reclamar. Pode ser que nem mesmo eu tenha o direito de murmurar, já faz tempo demais.
Eu só queria compartilhar a minha linda história de amor nessa data tão especial. Queria desejar um "Feliz 25 anos de casamento" a esse homem que acha que hoje é apenas mais uma quinta-feira e dizer que com o passar dos anos, passei a amá-lo. Não sei bem como é o amor, mas acredito que o amo. As vezes, senti estar dormindo com um estranho que talvez nem saiba lhe responder corretamente se você perguntar a ele a cor dos meus olhos.  E queria por fim, dizer que ainda lembro do ultimo "eu te amo" que ouvi da boca dele em Novembro de '87. Pois esse mesmo "eu te amo" que me fez acordar vinte e cinco anos seguidos ao lado dele, ainda que quase desconhecido.

Feliz Bodas de Prata, querido.

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