Metrópole, meio do verão.
Hoje senti vontade de te escrever. Te contar todas as coisas que andaram acontecendo por aqui, cada nova aventura incrível repleta de personagens únicos que estavam na fila do caixa do mercado na véspera do feriado prolongado. Queria comentar o final daquela série sueca que achei quase escondida no catálogo do streaming, ficar horas tecendo teorias sobre se o carro estava realmente indo para o norte ou para o sul ou tanto faz desde que ele seguisse se movendo.
Movendo... Eu ainda moro na casinha, aquela casinha que era pra ser nossa mas... O que aconteceu? De repente eu não sentia mais a necessidade de te contar que os tomates da nossa hortinha cresceram fortes e graúdos, que os temperos seguem perfumando cada refeição e que o girassol, infelizmente, secou. Ouso dizer que parte do motivo dele secar foram as formigas ou as lagartas... De qualquer forma as borboletas vieram visitar as flores coloridas do jardim do lado da varanda que você gostava de buscar tintas da mesma cor das pétalas.
Falando nas suas pinturas, ainda tem feito elas? Aquele seu quadro segue na sala, comprei uma moldura de alumínio porque os cupins comeram aquela de madeira, fiquei triste, busquei outra parecida... Mas nunca achei. Ah e aquela loja de tintas que a gente ia no shopping aqui perto fechou, o dono disse que o aluguel estava alto demais pro movimento e ia reabrir a loja na garagem de casa, ofereci meus préstimos de publicitária para ele, por um tempo ele foi meu cliente, mas coisa de uns seis meses atrás ele disse que ia fechar a loja e se aposentar, todo o material restante ele vendeu muito barato. Cogitei comprar um kit de pintura, mas... Não sei se quero passar por toda a curva de aprendizado para aprender a pintar em tela. De qualquer forma comprei alguns pincéis, se eu mudar de ideia um dia já vou ter como começar.
Como você pode imaginar sigo trabalhando na mesma área, alguns clientes saem, outros entram, às vezes me aperto na grana, às vezes tô mais folgada... É cansativo, estressante, mas eu adoro trabalhar com o que eu trabalho. Sinto um prazer inenarrável ao ver uma arte, um texto ou qualquer outra coisa que eu criei indo além dos meus domínios, indo além do que eu posso controlar, é uma delícia.
Sigo fazendo terapia, às vezes é o ponto alto da minha semana, às vezes é a paulada na cabeça que termina de me matar (metaforicamente falando) e... Fiz as pazes com meus pais, com o passado, tudo que aconteceu, aconteceu por uma razão e na época que tinha que acontecer, nada foi fora de lugar ou antecipado. De vez em quando vou visitar o lugar onde batemos, mantenho uma capelinha ali, com um caderno dentro de um saquinho impermeável onde escrevo uns poemas para eles... Quando for lá de novo tiro uma foto e...
O que aconteceu com a gente? Tudo isso que eu quis te contar, super empolgada, tenho mais milhares de coisas para te contar e você está ao alcance de um nome na agenda, é só eu clicar e mandar um áudio, uma mensagem, uma ligação... Mas não consigo mais. Não sei o que aconteceu entre a gente, se foi o oceano de distância, se foi o tempo ou só a vida que é assim mesmo... Aproxima alguns, afasta outros... A verdade é que essa distância toda, essa barreira invisível que construímos, esse silêncio todo é só o aspecto mais visível de um adeus não dito.
Talvez seja isso, talvez toda aquela enxurrada de mensagens que eu queria te enviar, toda aquela enxurrada de coisas que eu queria te contar... Não são importantes. Quando acontecer algo grande eu te conto, ou não...
Esquece. A quem estou querendo enganar. Essa carta esta sendo escrito e vai ser postada na minha gaveta infinita de textos que nunca vão ser enviados, nunca vão ser publicados e nunca vão siquer lidos. Mas, deixo como um último verso um desejo, ainda que fino, de que esteja bem e se cuidando.
J.